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100 km de Millau

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OS MEUS PRIMEIROS 100 KMS


100 KMS DE MILAU


1 – A DECISÃO DE TENTAR CORRER 100 KM E OS TREINOS.

 
A ideia de tentar fazer uma ultramaratona de 100 km começou a “fervilhar” na minha cabeça há mais de três anos. Surgiu em conversas durante as várias provas (meias maratonas e maratonas), os muitos, muitos … treinos e, em amenas “cavaqueiras” de puro convívio, com o meu ultra amigo Adriano e com os meus grandes amigos Luís Pires e Manuel Mendes.Depois de fazer algumas maratonas (18 até ao momento, num período de 6 anos), assumi para comigo próprio que iria tentar fazer uma prova de 100 Km, só não sabia quando e onde. Disso dei conta aos meus amigos.Em Abril de 2007, durante a maratona Carlos Lopes, em Lisboa, eu e o Luís Pires, tomamos conhecimento que havia uma ultramaratona de 100 km em França, na cidade de Millau, no dia 29-09-2007. No regresso dessa maratona, transmiti ao Luís que punha fortemente a hipótese de ir á tal ultramaratona de 100 km. Ele, em resposta, disse-me que pretendia abrandar os treinos, pois, nos últimos sete meses tinha feito seis maratonas e depois queria começar a preparação para a maratona do Porto, a realizar em 21 de Outubro deste ano.Eu, continuei a treinar, pois, prometi ao Adriano que iria fazer uma maratona com ele, em Maio ou Junho, o que acabou por não suceder, pelo facto dele não se sentir preparado para tal.Como me sentia bem fisicamente, participei juntamente com o Pedro Amorim, Carlos Rocha e Paulo Lima no Campeonato Nacional de Montanha na Serra da Estrela, no dia 24-06-2007 e posteriormente no Trail Serra da Freita, em 01-07-2007, na companhia do Luís Pires, Pedro Amorim, Rui Sousa e António Conde.Aqui, na hora de levantar os dorsais, conheci o “Grande” Conde e o Rui Sousa. Após, fomos jantar (faltou o Pedro Amorim) ao restaurante “Alto da Estrada” em Arouca, onde comemos uma saborosa e suculenta posta Arouquesa, acompanhada por um óptimo verde tinto, o que nos ajudou a aguentar o esforço do dia seguinte.Após o Trail da Serra da Freita, na viagem de regresso ao Porto, disse ao Luís que iria, quase de certeza, tentar fazer os 100 km, mas só decidiria em Agosto, depois de fazer a Transestrela. Mais lhe disse que possivelmente o iria “obrigar” a fazer os 100 km antes do que ele projectava. Isto porque, eu sabia que, inscrevendo-me, também o Luís o faria.Passei a treinar muito mais intensamente, preparando-me, para a possibilidade, de decidir em definitivo, ir tentar fazer os 100 km.Fiz a Transestrela no dia 05 de Agosto e, no dia 07 do mesmo mês, comuniquei ao Luís que tinha definitivamente decidido ir tentar fazer os 100 km de Millau. De imediato, o Luís disse-me que também iria (o que eu já esperava). Ficou desde logo ele incumbido de tratar de inscrições e estadia.Decidi fazer os 100 km nesta altura, porque desde Outubro de 2006 a Agosto de 2007, tinha feito as provas acima referidas (Campeonato Nacional de Montanha na Serra da Estrela, Trail da Freita e Transestrela) e as maratonas do Porto (Outubro), Lisboa (Dezembro), Valência (Fevereiro), Roma (Março) e Carlos Lopes – Lisboa (Abril), tinha treinado uma média de 22 horas mensais desde Outubro a Junho e 43 horas em Julho, incluindo os tempos das ditas    provas e tinha possibilidades de continuar a treinar mais intensamente em Agosto e Setembro, o que não poderia fazer noutra altura do ano, devido à minha actividade profissional.Em Agosto treinei mais 36 horas. Mas, durante este mês, estive parado uma semana devido a problemas físicos. Pensei que todo o meu projecto “ía por água abaixo”. Fiquei muito ansioso e preocupado, mas felizmente, decorridos 07 dias pude continuar a treinar, para grande alívio meu. Em Setembro treinei 34 horas, nas quais se incluem três treinos longos nos dias 02 (com o Oliveira e amigos, Luís, Conde e Fernando Rocha), 09 (com o Luís, Conde e Runners) e 16 (com Oliveira e amigos, Luís e Conde), com cerca de 50 km cada um.Em meados de Agosto, o Luís tinha-me comunicado que o Conde e o Oliveira, também nos acompanhariam na aventura.Uma vez que estou a falar de treinos, queria dizer o seguinte: treinar tão intensamente, quase sempre sozinho, é cansativo e é um grande teste à nossa capacidade psicológica, em que a nossa obstinação e força de vontade têm de “vir ao de cima”, senão nada feito.
  

2 – A VIAGEM E PREPARATIVOS PARA A PROVA.   


No dia 27 de Setembro fizemos a viagem para Millau, eu e o Oliveira de carro, e o Luís e o Conde de avião até Girona e depois de automóvel até Millau. Chegamos no dia 28 às 02 horas de França e eles às 13 horas do mesmo dia.Neste dia, almoçamos juntos. Conversamos sobre a viagem que havíamos feito e a que nos esperava no dia seguinte (100 km).Às 16,30 horas, fomos levantar os dorsais. Eu estava bastante ansioso, o que julgo também acontecia com o Luís e o Conde. O Oliveira estava calmo e sereno, pois, já é um veterano nestas andanças (já tinha feito por quatro vezes a distância). A ansiedade e apreensão pairava no ar, pois, era bem visível nos rostos e expressões de quase todos os atletas que se encontravam a levantar os dorsais – tentar fazer 100 km impõe respeito!...Às 19, 30 horas fomos jantar no Hotel onde ficamos instalados. Tinham-nos prometido, lá no hotel, uma boa refeição para os atletas que iriam tentar fazer 100 km no dia seguinte, mas, apresentaram-nos um péssimo repasto – salvou-se o bom vinho que bebemos (eu o Conde e o Luís).Após o jantar, fomos para os quartos, preparar tudo para o dia seguinte (equipamento, bebidas isotónicas, vaselina, etc., etc…). Depois de tudo em aparente ordem, deitei-me e dormi. Passei uma noite tranquila, dormi bem e, acordei bem disposto. Julgo que os meus companheiros de aventura também. Tomamos o pequeno almoço às 08 horas e às 09 dirigimo-nos para o local do controle (pavilhão onde tínhamos levantado os dorsais no dia anterior), onde entregamos os nossos sacos, com aquilo que achávamos necessário, a fim de serem levados para Saint Afrique pela organização ao quilómetro 72. Após tudo isto, fomos para o sítio da partida.A ansiedade e apreensão do dia anterior tinham desaparecido. Estava calmo e confiante de que iria conseguir concretizar aquilo a que me tinha proposto e que tudo correria bem, quer para mim, quer para os meus amigos de aventura, pois, eles também transpiravam (antes de começar a correr…) confiança.   

3 – A PROVA DE 100 KM   


Às 10 horas do dia 29 de Setembro de 2007, começou a grande aventura. Na hora da partida, senti uma grande emoção, passaram-me uma série de imagens e sentimentos pela cabeça, mas tudo passou ao fim do primeiro quilómetro.Concentrei-me definitivamente no que tinha como objectivo (tentar os 100 km).Logo após a partida, o Luís e o Oliveira tomaram a dianteira e deixamos de os ver. Fiquei eu e Conde no meio do grande pelotão (1.600 à partida).Fizemos a primeira meia maratona num percurso completamente plano e de uma enorme beleza paisagística. Sempre pela margem de um rio, com água cristalina, onde eram visíveis a uma distância de 100-200 metros inúmeros grandes peixes a nadar e a saudar os atletas que se aventuraram a tentar percorrer esta grande distância (100 km). O rio seguia o seu curso no meio de duas bonitas e verdejantes montanhas, onde há parques de campismo, hotéis rurais e zonas para a prática da canoagem e outros desportos. É uma zona de beleza fantástica, inesquecível – ficará para sempre na minha memória de belezas.Depois de percorrermos os primeiros 21 km, atravessamos o dito rio, através de uma ponte antiga e regressamos a Millau pela outra margem, onde completamos a maratona. Aí, fomos novamente sujeitos a controle no mesmo local do primeiro (pavilhão onde terminaria a prova).Esta segunda meia maratona foi mais acidentada (tinha subidas e descidas pouco acentuadas), portanto bastante mais difícil que a primeira.Aos 21 km eu e Conde fizemos 02,10 horas, aos 30 km 03,10 horas e aos 42 km 04,30 horas.Após percorrermos a primeira maratona e termos sido sujeitos ao controle, saímos de Millau em direcção a Saint Afrique, de onde retornaríamos pelo mesmo trajecto a Millau – terminus da prova.À saída de Millau o pedómetro do Conde deixou de funcionar, por isso, ele foi comprar umas pilhas, o que o atrasou um pouco. Eu, entretanto, abrandei o ritmo e aos 46 km já continuávamos a correr juntos e com o pedómetro do Conde completamente recuperado.Aproximadamente aos 47 Km, deparamos com a primeira grande dificuldade – uma subida muito, muito acentuada, com cerca de 2 km. Fomos obrigados a fazê-la a passo, tal como os restantes concorrentes que víamos à nossa frente e atrás de nós.Após vencermos essa subida, retomamos o nosso passo de corrida a descer, passo esse que se manteve a seguir à descida, apesar de ser sempre a subir (suavemente) até aproximadamente o km 60.Chegados aqui, encontramos a segunda grande dificuldade – mais uma subida muito acentuada com cerca de 4 a 5 quilómetros, a que se seguiu uma descida, também acentuada, até Saint Afrique, aproximadamente ao km 71.A subida foi feita por nós a passo e a descida a correr. A meio da descida, encontramos o Oliveira que regressava a Millau e levava uma vantagem relativamente a nós de cerca de 7 km. A seguir, passamos pelo Luís que tinha um avanço sobre mim e o Conde de aproximadamente 5 km. Desejamos boa sorte a ambos e eles a nós e, todos continuamos a prova.Eu e o Conde chegamos a Saint Afrique (71 km aproximadamente), 08,10 horas, após a partida.Aqui chegados, dirigimo-nos ao posto de controlo e de abastecimento. Levantamos os nossos sacos que para aí tinham sido levados pela organização. Na posse do meu saco, vesti uma camisola de manga comprida por dentro da que levava desde início (camisola do meu amado e grande F. C. PORTO), pois, aproximava-se a noite e a temperatura iria baixar. Tirei sapatilhas e meias e “encharquei” os pés de vaselina. Voltei a calçar-me, fui ao abastecimento (líquido e sólido) e de seguida iniciamos o regresso a Millau – tínhamos que fazer o percurso inverso (Saint Afrique – Millau).Já me esquecia!... o Conde teve um problema intestinal em Saint Afrique e foi aliviar-se a um café-bar. Também quero dizer, já que venho falando de abastecimentos que, nos mesmos, havia de tudo o que era considerado necessário em todos eles (de 6 em 6 km). Tínhamos água com todos os sabores, sumos de todo o género, coca-cola, cerveja, fruta variada, frutos secos, sandes de fiambre e queijo, chocolates (que delícia !...), etc. etc… Se participarem numa prova destas, aconselho que levem apenas um cantil com bebida isotónica para beber entre os abastecimentos, se necessário.De regresso a Millau, após ter corrido cerca de 500 metros, comecei a sentir cãibras nas pernas – talvez tenha parado tempo de mais - cerca de 10 minutos. Como tínhamos pela frente uma longa e difícil subida, decidimos ir a passo. A meio da subida, comecei a sentir dores na planta dos pés. Caminhei com dificuldade até aos postos de abastecimento e médico, situados aos 75-76 km. Aí chegados, eu e Conde despedimo-nos um do outro, desejamos mutuamente a melhor sorte do mundo para o percurso que faltava e eu fui para o posto médico tratar dos meus pés, pois, era de todo impossível continuar sem qualquer tratamento, enquanto o Conde continuava a sua prova.Quando me despedi do Conde disse-lhe que não desistiria, só o faria, se não conseguisse, de todo, caminhar. No posto médico, ligaram-me ambos os pés, pois, tinha bolhas na planta dos dois.Após isso, fui ao abastecimento e retomei a minha caminhada, sempre a passo, até ao final da subida.Chegado aqui, comecei a correr lentamente na descida e assim fui até aos 90 km, abrandando, ou indo a passo, sempre que sentia alguma cãibra ou dor, retomando a corrida logo a seguir.Aos 90 km, surge uma subida muito acentuada, que só termina após passar por debaixo do célebre viaduto de Millau – cerca de 3 km.Fiz toda esta subida a passo, pensando realizar a descida que se seguia para Millau, a correr. Iniciei a descida e, para surpresa minha, não conseguia correr. Fiz toda a descida até ao km 95 arrastando ambos os pés pelo chão, pois, as dores eram tantas que nem os conseguia levantar. Foi o momento mais crítico. Mas, nem aqui me passou pela cabeça desistir. Só pensava que iria conseguir atingir o objectivo que perseguia há muito tempo – 100 km.Do km 95 até ao km 100, o percurso era quase todo plano. Daí que tenha tentado correr um pouco. Até ao km 97 fui correndo e andando a passo.Chegado ao km 97, com 12,36 horas, verifiquei que tinha possibilidades de terminar antes das 13 horas. Fiz apelo a todas as minhas forças, “cerrei os dentes”, fiz das “tripas coração” e decidi correr até chegar à meta, suportando todas as dores.Finalmente, tinha chegado e terminado a prova com o tempo de 12,55,39 horas.   


4 – APÓS A PROVA   

 
 
Após terminar, é que comecei a sentir verdadeiramente os estragos provocados nos meus pés (sangue, bolhas na planta dos pés e dedos e unhas muito mal tratadas). Julguei mesmo que tinha perdido o dedo mindinho do pé direito. Mas, para meu sossego, após tirar as sapatilhas e meias, verifiquei que tal não acontecera.Fui para a enfermaria. A podóloga que me tratou disse-me que iria doer e, se doesse muito que “chamasse pela mamã.”Antes de ir para a enfermaria, para anestesiar, bebi dois copos de vinho (um maduro tinto e outro tinto rose que me “souberam pela vida”.Enquanto estava a ser tratado, telefonei a muitos amigos, dando-lhes conta, eufórico, do meu feito.Após o tratamento, regressei ao hotel (lentamente, “ao pé coxinho”), na companhia do Oliveira que esperou por mim na meta e me acompanhou até à enfermaria.Chegado ao hotel, tomei um retemperador banho, tendo, após isso, reunido com todo o pessoal, no quarto do Luís e do Conde, onde, por longo tempo, trocamos impressões sobre a aventura que havia terminado.A seguir fomos dormir. Eu, dormi pouco e mal, o cansaço não o permitia. No dia 30 levantei-me tarde (11 – 12 horas), o corpo estava cansado e as pernas doíam tanto que não conseguia subir e descer escadas, só me permitiam caminhar em plano e, com grande dificuldade.Fomos almoçar os quatro a um óptimo restaurante “Manjedoura”, onde, finalmente, comemos uma bela refeição.A seguir iniciamos o regresso a Portugal.Estava terminada esta grande aventura e concretizado um grande sonho. Valeu a pena suportar o sofrimento e a dor para sentir a imensa alegria e satisfação de ter terminado esta ultramaratona de 100 km.Como em quase tudo na vida, é necessário suportar sofrimento e dor (não necessariamente física), para alcançarmos os nossos objectivos.Estou muito, muito … feliz por ter conseguido!...A mensagem que deixo a todos os que gostam de atletismo e de desafios, é que tentem e, se conseguirem, verão que valeu a pena.Uma palavra para a minha família (mulher – Romi e filhas – Rita e Joana), por terem suportado, sem qualquer reclamação, o período de treinos (inclusive durante as férias), com prejuízo da vida familiar.Para o meu ultra amigo Adriano, para os grandes amigos Luís e Mendes, um muito obrigado pelos incentivos que sempre me dirigiram.Um obrigado à Conceição, Fernando, Carlos Rocha e Pedro Amorim, pelas palavras de apoio que me transmitiram.Por último, um obrigado ao Luís, Oliveira  e  Conde, por me terem acompanhado nesta aventura, especialmente ao Conde por me ter aturado até aos 75 km.  Embora não seja importante, aqui vai a nossa classificação:Zé Carlos – 584 – 12.55.39 horas;Conde – 387 – 12.04.22 horas;Luís – 214 – 11.07.58 horas;Oliveira – 106 – 10.20.40 horas.  À partida eram 1.600 concorrentes. Chegaram ao fim 1.213.   Confesso que coloquei a classificação naquela ordem, para dar a ideia que eu fui o melhor. Peço desculpa aos meus amigos de aventura por esta pequena maldade. Nota de humor: juntamente com os 1.613 concorrentes para os 100 km, partiram mais 400 atletas que nos acompanharam na parte inicial do percurso. Participaram, tal como acontece em algumas das grandes provas em Portugal, numa mini-caminhada de 41.195 metros. Obs. Depois da prova, corri, no dia cinco, 01 hora e, no dia 06, 40 minutos. Senti-me cansado.Amanhã, dia 07, eu, o Luís, o Conde e o Oliveira, vamos correr uma hora, para passear “meter nojo” as camisolas oficiais dos 100 km de Millau.   

Leça da Palmeira, 06 de Outubro de 2007.  

Zé Carlos.          

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