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ULTRA MARATONA DE BIENNE - SUÍÇA

 

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ULTRA MARATONA DE BIENNE – SUÍÇA

(PELO GRANDE LUÍS PIRES)

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12/06/2009

 

 

1 – INTRODUÇÃO.

 

{xtypo_dropcap}C{/xtypo_dropcap}omeço por dizer aquilo que alguns já sabem: não sou muito vocacionado para as escritas! No entanto, e a “pedido de várias famílias”, pensei poder ser importante analisar, explicar e perceber, uma experiência que não teve um final tão feliz quanto o esperado. Decidi, por isso, partilhar com vocês esta minha experiência na ultra maratona de 100 kms, realizada em Bienne, na Suíça.

 

Não é fácil suportar a frustração de ver culminar desta forma – desistência – tanto empenho e dedicação. Como não é fácil ficar com a sensação de ter estado muito perto de um objectivo que, se calhar, falhou apenas por detalhes. Mas, tenho que ser comedido no meu desapontamento pois, afinal de contas, já completei três provas de 100 kms, num período de 14 meses - com muitas e muitas maratonas pelo meio. Foram mais de trinta maratonas e ultra maratonas, nos últimos três anos. Será que não tenho o direito de claudicar?

 

As últimas semanas antes da prova foram muito difíceis, com uma sucessão de acontecimentos negativos, que muito me afectaram. Desde questões profissionais a familiares (com especial relevo para o diagnóstico da doença da minha mulher, Maria João), muitas coisas me aconteceram em pouco tempo. Até com a bicicleta tive grandes incómodos. No início de Maio roubaram-me a “bicla” de que tanto gostava, e à qual estava muito habituado. Fui, com ela, campeão nacional de Duatlo / “Age Groups”, em 2007. Porque é o meu meio de transporte habitual, inclusive de trabalho, tive que comprar outra – que estou a pagar em 10 suaves prestações, sem juros.

 

Mas, como “um mal nunca vem só”, no dia 31 de Maio, também ma tentaram roubar. Foi no mesmo local da outra, perto do Centro Comercial Península, em frente à empresa onde trabalho. Por incrível sorte, olhei para a rua no preciso momento em que dois “larápios” dela se aproximavam. Saí disparado e, com a preciosa ajuda de um colega  (que veio atrás de mim de carro), consegui apanhá-los. Não vou entrar em pormenores (foi um autêntico filme ….), a não ser referir o facto de que os ditos foram entregues à P.S.P. e que, o primeiro que apanhamos, não ia roubar ninguém nos dias seguintes (...) de certeza absoluta. Mas, a verdade é que fiquei em mau estado, físico e psicológico. Não sei até se fracturei uma costela. Talvez não! Mas, sentia alguma dificuldade em respirar e, quando tossia, doía-me bastante. Sinto que perdi a cabeça, facto que também me afectou durante alguns dias. Felizmente melhorei o suficiente para não me impedir de participar na prova.  

  

Certo é que, alguns dias antes da ultra maratona, abandonei mentalmente o objectivo Bienne. A desmotivação era grande, e deixei praticamente de treinar - um treino nos últimos sete dias (nada de grave) e quatro nos últimos catorze. Pensei várias vezes em desistir da prova (disse-o varias vezes, à João, e não só ….), mas, pelo facto de estar praticamente completo o plano de treinos, e já ter pago as principais despesas (inscrição e viagem), decidi realizá-la. Até a Joana Costa, minha massagista, referiu uns dias antes, que me achava muito tenso. Algo, que me lembre, nunca dito antes.

 

A juntar aos factos descritos atrás (apontando nitidamente para a desistência, na opinião de algumas pessoas …), havia também o António Conde que, apesar de me ter posto completamente à vontade, não merecia que lhe fizesse essa (eventual) desfeita, de não o acompanhar na prova. Não quero arranjar desculpas (quem me conhece sabe que não faz nada o meu género), mas a verdade é que não estava bem, nem física, nem, o que é mais importante, psicologicamente. Para uma prova com esta dureza, tem que se estar totalmente para aí virado, e eu não estava. Tem que se estar forte mental e fisicamente, e eu não estava. Não há margem para se facilitar, e eu facilitei. E muito! Há que aprender com os erros, e é isso que vou tentar fazer.

 

Sentia-me, realmente, muito debilitado!

 

 

 

2 – PLANO DE TREINOS.

 

Tudo tem um princípio. E, neste caso, o princípio foi um e-mail enviado pelo meu grande amigo António Conde, em 17/03/2009, às 0h38, com a confirmação da minha inscrição para a prova helvética. Dizia o seguinte: “Já lá moras! T’ás fodido!” (desculpem reproduzir a expressão – mas julgo que ninguém se escandaliza). E não é que o António tinha, infelizmente,  toda a razão (?). Os planos iniciais passavam pela participação, para além de mim e do António Conde, também do José Carlos Costa (foi, inclusive, inscrito), que infelizmente sofreu uma lesão com alguma gravidade, que o impediu, e ainda impede, de competir. Era nossa intenção conciliar a prova com o laser, até porque a data era excelente. O dia da prova (sexta-feira) era precedido de dois dias feriados em Portugal (10 e 11 de Junho), pelo que planeamos inicialmente levar as respectivas mulheres. Seriam umas mini férias e, nestas circunstâncias, tinha podido preparar esta prova com mais cuidado, em especial a véspera e a noite anterior, com um bom sono.  E, o que é crucial nestas provas,  com outra motivação. Aí sim, seria uma “preparação” com bom senso.

 

No terreno, tudo começou uns dias depois, mais concretamente a 23/03/2009, ou seja, a exactamente doze semanas da prova. Foi um treino de 17 Kms, num percurso muito utilizado por mim -  início em minha casa, na Rua da Venezuela, passando pelo Fluvial, uma ida ao novo farol da Foz, e também percorrendo o incontornável Parque da Cidade, com regresso a casa, subindo a Avenida da Boavista.

 

Estavam abertas as “hostilidades” para as doze semanas que costumo utilizar na preparação das ultras maratonas, ou numa ou noutra maratona, que tenha o objectivo específico de conseguir um bom tempo. Foi um plano de treinos baseado nos que cumpri para as anteriores três provas de 100 kms, mas com ligeiramente menos carga. Percorri 1.200 kms, entre treinos e provas, feitos quase todos a rolar, com algumas (poucas) séries de mil metros. Retirando as duas últimas semanas, já do chamado descanso activo, a média foi de 110 kms por semana, contra os 120 kms de Etruschi, em Novembro de 2008, e dos 130 kms de Florença em Maio de 2008, bem como de  Millau em Setembro de 2007. A semana com mais quilómetros foi a 8ª com 137, contra os 152 de Etruschi, 151 de Florença e 141 de Millau. Em relação aos treinos longos (para cima de 30 kms), tenho feito sempre o mesmo número, ou seja, oito.  Incluíram, desta vez, duas maratonas (Madrid – 26/04 e Lisboa – 10/05). O treino mais longo foi a 17/05, com 53 kms,  em 4h50 – alguns acompanhando a prova do “Dia da Mulher”. Treino mais longo que este, que alguma vez fiz, só em 20/04/2008 com duas voltas à cidade (60 kms), em 5h45, integrado no plano de treinos de Florença. O mês com mais kms foi o de Maio com 523 (44h10), em contraste com os 582 (49h31), de Agosto 2007 (Millau – França).

 

Não me parece, portanto  que,  o facto de ter treinado menos cerca de 10%, tenha sido relevante.

 

Gostava de referir que, integrado neste plano, concretizei no dia 12/04 (Domingo de Páscoa) um objectivo antigo -  ir a correr desde minha casa, no Porto, a casa de minha Mãe, em Guilhufe / Penafiel. Demorei 3h37,  a percorrer os 39,7 kms. Fui pela Rotunda da Boavista, Carvalhido, Circunvalação até à Areosa, e daí até ao Alto da Maia. Subi Santa Rita e fui sempre pela Estrada Nacional -  que vai dar a Vila Real, passando pela muito difícil subida de Baltar.

 

Já fiz dezenas de vezes este percurso de bicicleta, principalmente quando era (mais) novo, mas a correr foi mesmo a 1ª vez. Nesse dia, houve um episódio curioso, que gostava de partilhar com todos:  cruzei-me, pouco depois das seis horas da manhã (?), em frente ao Hospital S. João, noite escura, com o meu irmão Tomás. Onde não se via vivalma, e sem combinar rigorosamente nada, ali estavam os dois manos, sozinhos, um de bicicleta e outro a correr, qual deles o mais “maluco”!

 

 

 

3 – SUPLEMENTOS ENERGÉTICOS.

 

Costumo recorrer, nestes planos de treinos mais intensos, a suplementos energéticos. Por várias razões, desde a falta de tempo a questões económicas, fui adiando o seu início, que acabou por acontecer exactamente no dia seguinte ao treino mais longo, o tal de 53 kms. São produtos naturais, de um ervanário, e orientados por um nutricionista e atleta de remo. Tenho-me dado bem com eles, e como estava apenas a três semanas da prova, optou-se por reforçar um pouco as dosagens.

 

Coincidência, ou não, foi nesta altura que me comecei a sentir mais cansado. Resolvi, por isso, e a cerca de uma semana e meia da prova, deixar de os tomar. Disse ao João, já quase em desespero, para deitar tudo fora, e ponto final nos suplementos. Acredito que nada tivessem a ver com as minhas debilidades (?). O que é certo é que me sentia muito cansado. Só me voltei a lembrar deles, quando vi o António, uma hora antes da prova, a tomar proteínas. Aí pensei que provavelmente não tinha tomado a melhor opção - e não tomei seguramente!

 

 

 

4 – PREPARATIVOS.

 

Como sempre, contei com a João na logística, embora, desta vez, os preparativos não tivessem sido muitos - em claro contraste com a primeira aventura nos 100 kms de Millau, em 2007, onde tudo foi preparado, exageradamente, ao mais ínfimo pormenor. Desta vez,  prevaleceu a displicência. A estadia na Suíça iria ser curta (apenas um dia e meio), e sem qualquer dormida. Levava só uma mochila, que não iria despachar no avião. Por esta razão, e porque não podia transportar nada com mais de 100 cl, apenas levei umas pequenas bisnagas de gel, da Isostar, e pó também da Isostar, que coloquei nos pequenos recipientes do cinto hidratante, para preparar uma bebida isotónica. Levei também uns ladrilhos de marmelada que costumam ser bastante úteis, e apreciados, e que o António também aproveitou. Acabei por não colocar nenhuns, por esquecimento, no saco que deixei ao km 56 (único ponto de apoio onde podíamos deixar um saco). Como também não levei, desta vez,  os habituais figos - de que gosto bastante e me sabem sempre muito bem. É um fruto seco, fácil de transportar, e contém a indispensável glicose. Este costume foi-me transmitido, e bem, pelo Pedro Amorim.

 

Sem menosprezo para ninguém, e mesmo sabendo ser um “lugar-comum”, algo estereotipado, quero desde já agradecer de uma forma muito especial à minha mulher Maria João, o constante, extraordinário e decisivo apoio que sempre me deu, não tendo a mais pequena dúvida que, sem ela, tudo seria muito mais difícil. Nunca descura o mais ínfimo pormenor, e está sempre atenta para que nada seja esquecido. Desde a alimentação ao equipamento, passando pelas sempre importantes palavras de incentivo, vivendo e sofrendo comigo cada minuto, cada momento. Sempre solidária e orgulhosa dos (de) feitos do marido. Reconheço que não é fácil “aturar” alguém tão obstinado como eu, que vive cada objectivo – e têm sido muitos – como se fosse o último, quase a roçar a obsessão. Apenas um reparo: foi a única pessoa que ficou bastante agastada com a minha desistência (pelo menos a única que o expressou), ao ponto de manifestar esse estado de espírito, de uma forma muito clara e inequívoca. Ficou até bastante desiludida comigo, dizendo peremptoriamente que ninguém desiste a 13 kms da meta, e que se lá tivesse me acompanhava metro a metro, passo a passo, e me “obrigava” a acabar nem que fosse de “gatas” (?).

 

Já a minha irmã Bé, a “Madre Teresa de Calcutá” da família, sempre super e exageradamente atenta ao que à minha roda se passa, sempre preocupada (mais do que eu) com as minhas ”loucuras” e desvarios, me tinha incentivado a abandonar. Por ela, nunca chegaria sequer a participar! Duas posições muito diferentes, até antagónicas, de duas pessoas que, cada qual à sua maneira, gostam muito de mim – disso estou absolutamente seguro!

 

A noite anterior, que era muito importante ser bem passada, foi péssima! Quase não consegui dormir. Embora não me sentisse demasiado preocupado, certo é que o facto de perceber o quanto era necessária uma noite de véspera bem dormida, fez aumentar os meus níveis de ansiedade. Deitei-me muito cedo (por volta das 22h30),  e não devo ter dormido mais de duas horas. Nunca tomei nada para dormir. Se calhar, desta vez, devia tê-lo feito. Tanta coisa que devia ter feito e …… Não fiz!

Às 06h45 tocou o despertador e, muito a custo, levantei-me. A minha actividade profissional tem sido muito intensa e de grande desgaste, pelo que era importante uma noite tranquila e de recuperação. A prova tinha início às 22h00, ia estar uma noite inteira a correr, pelo que fiquei bastante preocupado com a questão do sono. Até que ponto esta circunstância iria interferir, era uma incógnita (mais uma ….).

 

 

 

5 – VIAGEM.

 

Sexta-Feira – 12/06/2009. A João foi-me levar ao aeroporto por volta das 08h00. Tinha feito o check-in pela Net, pelo que fui directamente para a porta de embarque. Às 09h00 partiu o voo lotado da Easyjet, com destino a Genéve e chegada às 12h05 locais. O transbordo para o comboio, que era uma das minhas muitas preocupações, foi bastante simples. As bilheteiras eram no mesmo piso da porta de desembarque, a escassos 50 metros de distância. Paguei 25,5 francos suíços - tarifa reduzida por participar na prova de Bienne. Havia comboios de hora a hora, e apanhei o das 13h05. Antes fui ao supermercado comprar água, comi uma excelente e suculenta sanduíche, que a João me preparou, e uma banana.

 

A viagem, de cerca de 150 quilómetros, demorou 1h30, num percurso muito bonito de paisagens deslumbrantes, onde abundam os típicos chalés bem conservados e com muitas zonas verdes circundantes. De fazer inveja! Barcos e mais barcos, cavalos e mais cavalos, espelham de uma forma bem patente a qualidade de vida dos suíços. Eram vários os passageiros portugueses, reflexo da forte emigração dos nossos compatriotas para estas paragens. O António e a Sónia foram buscar-me à estação e, de seguida, fomos ao hotel deixar a bagagem onde, ao contrário do que estava inicialmente previsto, também estava reservado um quarto para mim. Apesar de não dormir noite nenhuma na Suíça (a única noite foi passada a correr), foi bom para mim ter um quarto onde pude organizar as minhas coisas, e uma casa de banho de apoio.

 

O local onde se levantavam os dorsais (perto da partida e chegada da prova),  ficava a cerca de 3 quilómetros do hotel, pelo que resolvemos ir de carro. O pavilhão era grande, mas a entrada fazia-se por uma pequena porta mal sinalizada e tivemos alguma dificuldade em encontrá-la. O horário de entrega dos dorsais encerrava à hora do almoço, por isso tivemos que esperar algum tempo para levantar os nossos. No entretanto, comprei duas t-shirts  baratinhas (10 francos suíços  = 7 euros),   alusivas à prova. A feira da Maratona era pequena.  Após esclarecermos algumas dúvidas quanto à logística da prova, regressamos ao hotel.

 

A ideia era dormir,  mas já passava das 17h00 e tínhamos que jantar às 19h00, pelo que já quase não dava. Ainda pedi à João para me ligar a despertar às 18h50, para não me preocupar com o acordar, mas pouco ou nada terei dormido. Estava acordadíssimo quando a João me ligou e, de seguida, desci para a recepção. Fomos ao restaurante do hotel, e também aqui não tivemos sorte: escolhemos os três massa à bolonhesa, eu e o António uma sopa que mais parecia água quente. Após mesas ao lado terem reclamado do tempo de espera, acabamos por ser servidos já perto das 20h00 (?).

Minutos antes veio uma empregada justificar o atraso com o facto de se ter estragado o esparguete e que iria ser substituído por outra massa. Com receio de estar a jantar perto da hora da prova, e porque demoro sempre algum tempo a fazer a digestão, acabei por comer apenas metade da refeição.

Regressamos ao quarto para nos equiparmos e prepararmos tudo para a corrida. Os meus índices de confiança eram perigosamente baixos, e mentalmente estava claramente debilitado. Mas, apesar de tudo, nunca me passou pela cabeça não terminar. Já levo sete anos de provas e desafios difíceis, e sempre atingi, com mais ou menos dificuldade, todos aqueles a que me propus. Sentia que não estavam reunidas as melhores condições, mas que este facto apenas iria influenciar a minha performance, ou seja, demorar mais ou menos tempo, sofrer durante mais ou menos quilómetros. Preparei o saco para deixar ao km 56 - único ponto de apoio onde podíamos deixar haveres pessoais. Decidi meter nesse saco todo o meu abastecimento, e iniciar a prova como se de uma maratona se tratasse. Levei apenas comigo, enrolado à cinta, o Corta-vento para o caso da temperatura arrefecer muito durante a noite, e o frontal mais pequeno que tenho - mais leve, mas também com iluminação menos intensa. Coloquei ainda no pequeno bolso dos calções papel higiénico (nunca se sabe...) e um compeed para eventuais bolhas. Decidi também levar luvas, que usei praticamente toda a noite.

O ponto de encontro foi na recepção do hotel. Saímos de carro, conduzido pela Sónia, rumo à partida, onde chegamos cerca das 21h40. A Sónia fez uma reportagem fotográfica, para mais tarde recordar, e despedimo-nos com os desejos de boa sorte para a prova.

 

 

 

6 – PROVA.

 

Finalmente o tiro de partida, para mais de 1.300 atletas!

A noite estava amena, com 10 graus, ou um pouco menos, sem vento e com algumas nuvens que não ameaçavam chuva. Talvez pudesse surgir apenas algum pequeno aguaceiro. As condições meteorológicas estavam, portanto, bastante favoráveis.

 

Embora com manga curta, resolvi correr de luvas, e com o corta-vento à cinta. Coloquei o “frontal” ao pescoço e a bolsa com o telemóvel no braço. Comecei com o António, a um ritmo de 5’30 / 5’40 por km, mas …… Por pouco tempo! O António estabeleceu que o seu ritmo não podia ser inferior a 6’, e eu resolvi manter o meu, afastando-me dele. Foi uma opção, tendo em conta que, mantendo um ritmo um pouco abaixo dos 6’ por km, não me iria com certeza afectar. De qualquer forma, depressa percebi que esse não era o meu dia. Senti, desde o início, as pernas pesadas - mesmo considerando o ritmo lento a que seguia.

 

O percurso inicial era em asfalto, bem iluminado, com uma ou outra subida ligeira. Passei aos 10 kms, em 0h59;  e aos 20 kms,  em 1h59. Nesta altura parecia que já tinha 50 kms nas pernas, sem uma ponta de exagero. A partir desta fase da prova, muitos dos atletas passaram a ter a importante companhia, e apoio logístico, de bicicletas. Passamos a correr em percursos secundários, sem qualquer iluminação, e com muitos troços em trilhos de terra batida, alguns com gravilha. A noite estava bastante escura, com um tímido luar pouco colaborante. A temperatura arrefeceu e tive de recorrer ao corta-vento. Entre os 24 e os 30 kms, onde passei com 3h01, tivemos uma subida pouco acentuada,   mas desgastante.

 

O Rui Pinto ligou-me ainda antes dos 30 kms, com cerca de 2h40 de prova. Nessa altura já revelava bastante cansaço, não augurando nada de muito bom. Percebendo o meu estado de espírito, enviou-me logo a seguir a sua primeira mensagem, simplesmente fantástica, que guardo no meu telemóvel, e também no meu coração. Amigo recente, o Rui revelou-se uma excelente pessoa, ao ponto de termos criado rapidamente uma grande e recíproca empatia. Pelo que me é dado constatar, e pela força interior que revela, o Rui tem muito boas condições para enfrentar, e vencer, grandes desafios. Já se inscreveu no Porto Runners, e fez a sua 1ª prova na Régua (Meia Maratona). Pensa fazer já este ano a Maratona de Berlim. Temos Homem!

 

Acompanhou-me bastante nas últimas semanas de treino e viveu com bastante intensidade esta minha aventura. O Rui confessou-me, depois, que tinha organizado,na noite da prova, um serão com os amigos, de forma a poder “acompanhar-me”. Embora lamente não ter conseguido, corresponder a tão profunda iniciativa, tenho a certeza que não o desiludi …

 

Fui recebendo muitas chamadas e mensagens de apoio, que muito me sensibilizaram, e que quero desde já agradecer muitíssimo. Aproveito para, publicamente, pedir desculpa pelos respectivos diálogos não terem sido seguramente os mais agradáveis. Foram consequência das circunstâncias bastante adversas a que estava exposto. Tenho a certeza que entendem!

 

Foi também nesta altura da prova que me liga a Conceição Grare, a transmitir-me o seu apoio. A Conceição é uma super atleta (no verdadeiro sentido da palavra), que transborda energia, contagiante paixão pela corrida, e incansável no apoio. Para que conste, fez os 100 kms de Millau, em 2008, no fabuloso tempo de 09h42’. Palavras para quê?

 

Mas, a Conceição é a Conceição …….

 

Ao km 38,5, passei o primeiro ponto de controlo, com 3h53’40, no 413º lugar da classificação geral. Chegam os 40 kms, e o cronómetro regista 4h02. Passei aos 42 Kms (distância da Maratona) com 4h16. Incrível a forma (ou falta dela) com que aqui passei…. Em ritmo de treino (mais de 6’ por Km), muito lento, mas já muitíssimo desgastado, e com a percepção clara de que este não era, definitivamente, o meu dia.   Ou melhor, a minha noite.

 

Em contraste com a Maratona de Madrid, corrida sete semanas antes, onde fiz os 42 Kms em 3h07’ (mais de uma hora de diferença), e acabei muito bem. Ou a Maratona de Lisboa, cinco semanas antes (10/05), onde acompanhei do principio ao fim a Sara Figueiredo, com 3h39’, e terminei ainda com muita folga. O percurso continuava bastante monótono, apenas quebrado com a passagem de uma outra pequena localidade, com os seus habitantes já obviamente recolhidos.

Passamos também por muitos e muitos pastos, onde não faltava o intenso cheiro a “bosta”, a condizer com a prova que estava a realizar.

 

O trajecto mantinha-se em estradas estreitas sem qualquer iluminação, ladeado por extensas áreas de campos lavrados. Agora, com os atletas cada vez mais dispersos, com a noite cada vez mais taciturna e fria, o meu já debilitado estado anímico, cada vez se agravava mais. Lembro-me de passar, não sei a que quilómetro (?), por uma pequena ponte coberta, em madeira, de uma rara beleza. Passagem esta que vai ficar perpetuada pela única fotografia oficial que tenho da prova, que podem ver a seguir.

 

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Para que fique registado, informo que passei ao km 50 com 5h10. Apesar de tudo, continuava a manter a média de 6’ por km. Com muito sacrifício, é certo, mas na perspectiva (muito pouco provável, quase impossível até ….) de manter este ritmo até final, bateria claramente o meu record. Mas, nesta altura as minhas contas já eram outras, pois só queria chegar ao km 56 - ponto de apoio onde estava o meu saco. Sabia que, a partir daí, faltava aproximadamente uma hora e meia para o dia nascer, e com ele a esperança num milagroso rejuvenescimento (mental e físico). Fomos confrontados, mais uma vez, com um percurso em trilhos, que requeriam atenção para evitar alguma queda ou lesão.

 

Eis que, finalmente, chega o km 56,1, e o segundo ponto de controlo -  com 5h48’40 de prova, e em 332º lugar da geral. Tinha, apesar de tudo, e sem saber como, subido cerca de oitenta lugares na geral. Dirigi-me ao meu saco e coloquei o cinto hidratante com os respectivos abastecimentos. Estão vários atletas a ser massajados. Ainda pensei fazer o mesmo, mas experiências anteriores não foram muito positivas, e apercebi-me que, aqui, não iria ser muito diferente. Tratava-se de massagens relaxantes, que pouco ou nada me iriam beneficiar.

 

Resolvi regressar rapidamente à corrida, numa atitude que indiciava uma típica “fuga p’ra frente”. Cá fora havia um posto de abastecimento, onde resolvi telefonar ao António, a perguntar onde estava. Não é que me respondeu que estava a mudar de equipamento, também ao km 56, a escassos metros de mim?!?! Voltei a entrar no recinto e, para meu espanto, lá estava o António a pôr vaselina nos pés e a mudar de meias e sapatilhas. Disse-me que se sentia muito bem e transmitia uma frescura que, confesso, me encheu de inveja! Assim sendo, disse-lhe que ia indo, e que me apanhava com toda a certeza pouco depois. E, muito cansado, lá me fiz novamente à estrada ……. Que não tinha alternativa! Em claro contraste com o treino já referido de 53 kms, apenas quatro semanas antes.

O João Mota Freitas, recente “companheiro de corrida” e excelente amigo, que planeou o seu treino do dia 17/05 (o tal de 53 km),  de forma a me acompanhar e dar apoio na parte final, é testemunha da minha frescura. Ao ponto de termos andado, com relativa facilidade, na Avenida da Boavista, a subir do Parque da Cidade em direcção a minha casa, a um ritmo de 4h15 / Km. Fez-me também, como o Rui Pinto, muita e boa companhia durante boa parte da minha preparação. Pessoa fantástica e que, apesar de conhecer há alguns anos, só recentemente estreitamos mais o nosso relacionamento. Organizado, calculista, metódico e, coisa rara nos tempos que correm, muito atento e solidário. Mais uma excelente aquisição, “Porto Runners”! Um obrigado muito especial para o João!

 

Nota: O João fez comigo em Maio a Maratona de Madrid, onde bateu o seu record, com a excelente marca de 3h11’. Lançou-me um ambicioso objectivo para a Maratona de Berlim que, se tudo correr bem, iremos realizar no próximo mês de Setembro, que é baixar das 3 horas. Não escondo que é, para mim, um objectivo antigo, quase abandonado definitivamente. Já estive em condições de o conseguir, nomeadamente quando, em 2006, fiz a Maratona de Chicago em 3h03’02’’, e não fui aos limites. Agora, com 52 anos, é tudo muito mais complicado!

 

Ao retomar a corrida, mal eu sabia que nos esperava um extenso e inóspito bosque. Disse para mim que já bastava de hostilidades. Porquê e para quê mais esta provação? Foram seis ou sete quilómetros inacreditáveis, percorridos num estreitíssimo trilho ladeado de compacta flora, e também com densa vegetação sobre as nossas cabeças. Não fosse a muita “verdura”, e mais parecia estarmos numas quaisquer minas subterrâneas, onde nem o “frontal” na testa nos faltava. Para complicar ainda mais (como se mais fosse ainda possível ….), o piso era bastante perigoso. Muito irregular, propenso a entorses, com pedra solta e perigosas raízes. Que o diga o António, que chegou a cair -  felizmente sem grandes consequências. Pensei várias vezes nele, e na sua altura, pois o “pé direito” deste enorme túnel era tão baixo que com toda a certeza teria dificuldade em não lhe tocar, o que veio, de facto, a acontecer. Fiz todo este percurso em bom ritmo, apesar de tudo. Até porque era muito difícil alguém ultrapassar, e não queria atrasar ninguém.

 

A técnica foi levantar bem os pés, para não tropeçar nas raízes, e ter muito cuidado no contacto com o solo irregular, por causa dos entorses. Levei para a Suíça dois “frontais”, e optei por levar para a prova o mais leve, mas também o que menos iluminava - o que dificultou ainda mais a progressão. 

 

Acabei por passar incólume este difícil troço, que me fez lembrar a nossa Serra da Freita, sobretudo no risco de alguma queda grave, no meio da mais profunda escuridão, num enorme bosque e a altas horas da madrugada. Dava que pensar! Como dava que pensar, porque “carga d’água” estava eu tão longe de casa, no meio de florestas e matas, toda uma noite a correr (?).

 

Passei aos 60 kms com 6h26 e ao km 62,5 finalmente novo abastecimento! Peguei num copo de água e, sem parar (era morrer …….), caminhei durante alguns metros. Retomei a corrida, continuando sem qualquer abastecimento sólido. Durante toda a minha prova apenas ingeri uma bisnaga energética -  muito pouco para uma prova destas. Cedo comecei a sentir algum enfartamento, e mais para a frente, uma vontade constante de vomitar. Tinha receio de ingerir alimentos sólidos, pelo que apenas comia pequenos pedaços de pão simples. O dia começou a nascer, e com ele era suposto melhorar o meu “astral”. Mas nem os raios de sol, nem a excelência da paisagem,  me revitalizaram.

 

 Tão pouco podia recorrer à cavaqueira com outros companheiros de prova para ajudar a galgar quilómetros, pois para além de fraco em línguas (francês pouco – o Jean Claude que o diga – inglês menos ainda), sou mau conversador. Nas antípodas do meu grande amigo e companheiro de muitas aventuras - Pedro Amorim. Faltou-me alguém que transmitisse energia e pensamentos positivos, que sempre contagia. Será que, com esse apoio, teria conseguido concluir a prova? Talvez sim! Ou talvez não ……

 

Por falar em Pedro Amorim: é ele o principal “responsável” por esta minha escrita. Foi ele que me disse ficar à espera do meu relato, e me lançou este desafio. Espero que o Pedro, grande companheiro destas andanças, não se deixe influenciar por este meu relato, um tanto ou quanto deprimente e pouco encorajador. Uma prova de 100 kms está, indubitavelmente, ao alcance, de vários atletas do Porto Runners (Clube a que pertenço, e ajudei a fundar).  O Pedro é, seguramente, um deles. Basta para isso não cometer tantos erros como eu cometi. Espero que este meu relato possa dar um contributo para o que se deve, ou melhor, para o que se não deve fazer, na preparação e condução de uma prova com este grau de dificuldade.

 

Aos 70 kms passei com 7h26, ainda dentro de um bom tempo. Apesar das muitas dificuldades, fiz exactamente uma hora nos últimos dez quilómetros. Se conseguisse manter até final este ritmo de 6’ por km, o que se apresentava como bastante improvável, ainda daria para fazer abaixo das 10h30, e bater claramente o meu record, que é de 10h58, em Etruschi, Itália.

 

Mas,  aos 73 kms acabou-se o “combustível”, e a partir daí foi só sofrer. O António passou por mim pouco depois, ia eu a passo, e incentivou-me a correr, nem que fosse muito devagar. Disse-me, inclusive, que abrandaria para o poder acompanhar. Respondi-lhe que mantivesse o ritmo, para não prejudicar a sua prova. Certo é que me transmitiu o alento necessário para voltar a correr e conseguir acompanhá-lo durante mais alguns quilómetros e, afinal, nem custou assim tanto. O corpo acaba por obedecer, quase que automaticamente. E cheguei ao km 76,6, o terceiro e último posto de controlo, onde passei com 8h17’20, em 323º da geral. Continuava a subir na classificação, o que queria dizer tão simplesmente que havia quem estivesse ainda pior que eu - ou até já tivesse desistido (?).

 

Continuei,  com o António à vista, até ao km 78, altura em que o Pedro Amorim me ligou para o telemóvel. Não tenho estado muito com o Pedro nos últimos tempos, até pela paragem forçada que teve, devido a uma queda de mota. Foi bom poder conversar com ele, que me transmitiu alento e confiança para o que restava da prova. Era o início de uma acentuada descida (julgo que a maior de toda a prova), e resolvi caminhar, o que se revelou um enorme erro. Não só porque perdi o ritmo, mas também porque (e muito pior….),  tinha perdido de vez o António.

 

Estava, mais uma vez,  entregue a mim mesmo. Nada que fosse novo para mim, habituado “quanto baste” a passar por este tipo de dificuldades. Lembro-me de ter corrido quase três (infinitas) horas seguidas na minha primeira aventura, na ultra da Serra da Freita.  Em pleno planalto, a cerca de mil metros de altitude, com bastante frio, completamente sozinho, literalmente isolado, sem ver sequer um animal por perto. Acontece que, mentalmente,  já revelava enorme deficit, fruto de um acumular de muitas vicissitudes, pelo que cheguei à (triste) conclusão que, sozinho e sem qualquer apoio,  não iria cumprir este desiderato. Fui até ao km 85 mesclando a corrida com a caminhada e, depois,  já só conseguia caminhar e com muita dificuldade. As dores abdominais eram imensas, bem como a vontade de vomitar que me acompanhava desde há seguramente mais de vinte quilómetros. Por esta razão deixei de ingerir elementos sólidos que, aliás, e em bom rigor (para além de pequenos pedaços de pão até ao km 56),  se limitaram a uma bisnaga energética da Isostar. Convenhamos que é muito pouco para 87 kms, e quase dez horas de prova.

 

Levei várias bisnagas de gel, também da Isostar, e nem uma comi. Mais uma prova em que não consegui gerir como deve ser a parte alimentar, tanto sólida como liquida. A decisão de colocar o “Cinto Hidratante” ao km 56 revelou-se também um enorme erro. Sempre pensei que até aqui não iria precisar de nada em especial, e que os abastecimentos da organização seriam suficientes. Puro engano!

 

Ao km 87, perto de um posto de abastecimento, já completamente extenuado, e bastante descrente, resolvi sair do percurso oficial, em terra batida, e abeirar-me de uma estrada nacional. Desta vez, nem o facto de pensar que faltava “apenas” percorrer a distância do Freixo ao Parque da Cidade me salvou. Era o ponto final na minha resistência física e psicológica e na minha capacidade de superação.  Era o ponto final da prova. Em definitivo!

 

Lembro-me muito bem dos últimos kms do José Carlos na 1ª vez que fez (fizemos ….) os 100 kms de Millau, em 2007, e as dificuldades que teve de suportar para terminar a prova, cheio de cãibras e arrastando os pés. Faltou-me nesta prova de Bienne a fibra deste transmontano d’um raio, que não quebra nem torce! Não fosse a sua arreliadora lesão, que o impediu de participar, e tudo seria com certeza diferente. Tinha esperado por ele, e da união fazíamos a força! Conheço o José Carlos há muitos anos, sendo ele o primeiro e principal responsável por andar nestas aventuras. Foi ele que me meteu o “bichinho” da corrida, e tem sido ele a minha principal companhia na esmagadora maioria das provas. Tenho o enorme gosto, e privilégio, de ter nele um amigo de verdade. Tem a fantástica proeza de ter feito três ultras de 100 kms em menos de doze meses. Pelo conhecimento que tenho, e contactos que vou fazendo, deve ser caso único em Portugal. Acompanhou esta minha prova muito de perto, através do telemóvel. Obrigado Zé Carlos!

 

Voltando à prova, ou melhor, ao seu relato. Porque a prova …. Já era! A estrada que atrás referi ia em direcção de Bienne, e a única coisa que queria agora era uma boleia que me deixasse na chegada ou, melhor ainda, no hotel. Só que duas senhoras que estavam numa banca de uma qualquer organização (não percebi qual), viram o meu fraco estado (físico e principalmente anímico), e já não me deixaram sair dali. Foram chamar alguém da organização da prova para me socorrerem, o que demorou imenso tempo. Calculo que estivesse ali ficado perto de meia hora, cada vez mais preocupado, pois para além de tudo o mais, tinha voo marcado e ainda tinha uma deslocação de comboio para Genéve, de mais de 1h30.

 

O apoio lá acabou por chegar! Viram-me a tensão arterial, o ritmo cardíaco e os níveis de açúcar. Deitaram-me no chão, com um cobertor por baixo e um papel de prata por cima. Nesta altura, não tenho vergonha de o dizer, não me consegui controlar e, com as mãos a encobrir os olhos, desatei num silencioso pranto! Deram-me água e um cubo de açúcar, e chamaram uma ambulância, que demorou alguns minutos. Puseram-me a soro e transportaram-me para o hospital. Liguei com a Sónia, mulher do António (ambos médicos),  a informá-la para onde ia. Que raio de situação esta! A minha principal preocupação começava agora a ser o regresso ao Porto, dentro dos horários previstos. Não podia de forma nenhuma perder o voo da Easyjet das 17h40, principalmente pelo que isso representaria financeiramente. Não fosse este o caso, até ficaria de bom grado mais algum tempo por aquelas tão fantásticas paragens, e nem a questão profissional era óbice. Por essa razão deixei bem claro aos paramédicos da ambulância que era imperativo cumprir os meus horários.

 

Chegado ao hospital, com pouquíssimo movimento, fui levado para um pequeno gabinete e atendido por uma médica. Bom! Super simpática, muito nova, e …… Muito bonita! E não é que comecei logo a recuperar?  Vá lá saber-se porquê ….

 

Ligaram-me a um monitor e nada de anormal detectaram. Voltei a falar dos meus horários, mas os da ambulância já tinham informado a médica. Passado pouco tempo apareceram o António e a Sónia que de imediato se envolveu, verificando o meu estado clínico. O António, ainda equipado e ostentando orgulhosamente a medalha ao peito, era a pessoa mais feliz do mundo. O caso não era para menos! Acreditem que não senti inveja nenhuma. O António é uma excelente pessoa e eu estava muito feliz por ele! Revelava muito cansaço.  Pudera…. E manifestava vontade de também recorrer ao meu soro. Acabei por estar pouco tempo no hospital.

 

Entretanto a Sónia, incansável, foi tratar de pagar a conta, e conseguiu com que cobrassem pela tabela mais baixa. Foram 128 francos suíços o que equivale a 81 euros. Podia ser pior! Se tivesse comigo a carteira, e o cartão do seguro de saúde, debitavam directamente à Seguradora. Sendo assim,   tenho que pedir o reembolso. À saída, o enfermeiro que também me acompanhou, já veterano, simpático e bom conversador (o António que o diga) virou-se para mim, dizendo – “ Já está recuperado. Pode ir fazer os treze quilómetros em falta”. Foi a risota geral... À minha custa!

O António Conde é um caso sério, e uma autêntica revelação! Não que eu não o tenha como um verdadeiro ultra atleta, que o é sem dúvida, mas por ter realizado esta difícil prova da forma que a fez. Demonstrou, mais uma vez, o que já tinha revelado na muito difícil ultra,  da Serra da Freita. Ou seja, que está talhado para provas com grau elevado de dificuldade. Mesmo não abonando muito a meu favor, que não fui capaz de o acompanhar, tinha que o dizer. O António é uma pessoa excepcional e um grande amigo. Tenho muito que lhe agradecer, bem como à sua (inexcedível) mulher Sónia. Tive deles um total apoio, a todos os níveis. Obrigado, grande António! Obrigado, Sónia!

 

A verdade, a pura verdade, é que nunca me senti verdadeiramente motivado para realizar esta prova. E, na minha opinião, estará aqui a verdadeira justificação do insucesso. Como digo frequentemente (a quem me pede opinião sobre se deve, ou não, enfrentar determinado desafio ou competição), seja qual for a distância, a componente mental não só é importante, como é absolutamente crucial.

 

Se a mente não quer, o corpo também não. E ponto final!

 

 

 

7 – REGRESSO.

 

Chegados ao hotel, fui directamente para o meu quarto, onde mais uma vez, encontrei uma empregada portuguesa, do Fundão. A Sónia, que não parou, ainda foi à chegada da prova buscar o meu saco dos 56 kms, diligenciou para que enviassem pelo correio a camisola que ganhei por direito próprio, e levou o meu dorsal para levantar o respectivo diploma (documento importante, para memória futura). Sim! Tive direito, e muito justamente (digo eu….), a um diploma. Passei por todos os três postos de controlo (38,5; 56,1 e 76,6 kms), e fiz 87 kms. Julgo que é motivo suficiente para ficar registado no meu curriculum, como mais uma ultra maratona. Sempre foram duas maratonas seguidas...  E mais uns “trocos”!

 

Fui tomar um retemperador banho e preparar a minha mochila para o regresso. A Sónia, sempre a Sónia (não sei como lhe agradecer ….), foi-me levar à estação de comboio. Comprei o bilhete e desta vez não aceitaram a meia tarifa por ter participado nos 100 kms. Teria que ter comprado em Genéve de ida e volta, mas como saberia eu as horas de regresso? Acabou por se escrever direito por linhas tortas, pois afinal de contas não tinha completado os 100 kms, e por isso ter perdido o direito a tal benefício. Foi castigo!

 

A viagem foi rápida e cómoda, e cheguei a Genéve por volta das 15h45 - com quase duas horas de antecedência em relação ao voo, previsto para as 17h40. Havia comboios de hora em hora, pelo que, mesmo que perdesse este, o próximo também chegava a horas de apanhar o avião. Mas, prefiro dar sempre alguma margem, até para não me acontecer como na maratona de Paris 2003, que perdi o avião porque os meus ilustres companheiros relaxaram. E o transtorno que isso deu ….

 

Há semelhança da ida, já tinha o check-in feito, pelo que fui directamente para a passagem da alfândega, e daí para a porta de embarque, que ficava num extremo do aeroporto, destinado a esta companhia low-cost. Aí chegado, fui confrontado com um espaço apinhado de gente, que mais fazia lembrar a Estação de S. Bento em horas de ponta. Claro que era bem patente, e audível, a língua de Camões, que tornava o ambiente bem lusitano. E nem sequer faltaram os nossos bem frequentes atrasos, pois após uma primeira informação de partida adiada por 1h10, uma outra se seguiu, de mais 40 minutos. Como “o que torto nasce, tarde ou nunca se endireita”, já estava por tudo, e resignado! Houve algum problema técnico com o avião, uma vez que foi visível terem chegado a colocar nele a respectiva bagagem, que depois retiraram. Por fim a chamada para o voo que nos trouxe sem qualquer outro contratempo à Cidade Invicta, onde cheguei por volta das 9h00. Foram quase duas horas de atraso. Contas feitas, estive fora do Porto apenas um dia e meio, exactamente 36 horas.

 

À minha espera estavam as indefectíveis João e Bé. O José Carlos também se ofereceu para me ir buscar, num gesto (entre tantos outros) que muito apreciei, mas não era mesmo necessário. Finalmente em casa,  só queria era descansar! Estava há muitas horas sem dormir, desgastado e mal alimentado (e tinha acabado de fazer 87 kms …). No geral, sentia-me razoavelmente bem, apesar de tudo. Apenas com as pernas pesadas e algo massacradas. Nada a que já não estivesse habituado! Passei o domingo em casa a descansar e, na 2ª feira, estava já muito melhor - ao ponto de ter voltado à minha rotina de ir trabalhar de bicicleta.

 

Na 3ª feira, por já me sentir bem, pensei em fazer o meu primeiro treino pós Bienne, mas sinceramente não me apeteceu. Acabei por correr apenas no sábado com o José Carlos (que está a tentar regressar de uma forma gradual), num treino de 50 minutos, em ritmo lento. Encontramos no Parque o Pedro Amorim, que foi uma excelente companhia para o resto do treino, e aproveitamos por pôr a nossa (muita) conversa em dia. Estive para correr antes, na 6ª feira, com o Rui Pinto, que fazia questão de me acompanhar na minha “rentrée”, mas a mim não me foi de todo possível, por causa do trabalho. Tive pena!

 

 

 

8 – ESTATISTICAS.

 

10,0 Kms – 0h59’

20,0 Kms – 1h59’

30,0 Kms – 3h01’

38,5 Kms – 3h53’40’’ / 413º

40,0 Kms – 4h02’

50,0 Kms – 5h10’

56,1 Kms – 5h48’49’’ / 332º

60,0 Kms – 6h26’

70,0 Kms – 7h26’

76,6 Kms – 8h17’20’’ / 323º

80,0 Kms – ????

322º – António Conde 11h03’11’’ (record pessoal)

Atletas inscritos – 1.327

Portugueses inscritos - 3

Terminaram – 1.090

 

 

 

9 – AGRADECIMENTOS.

 

Tenho recebido ao longo de todas as minhas provas, muitas mensagens de apoio e solidariedade, que muito me sensibilizam. Gostava de agradecer de uma forma muito especial, para além dos que fui referindo durante o meu relato, à “Isabelita” Duarte (primeiro as senhoras), uma amiga muito especial; ao Geraldino, excepcional pessoa, que muito admiro, pela sua entrega e força de vontade, e do qual guardo muitas importantes mensagens de incondicional apoio; ao Fernando Leite, nosso Presidente, que nunca se esquece de uma palavra de incentivo; ao Carlos Rocha, excelente atleta e super dedicado; ao João Pedro Craveiro; ao Telmo Veloso e …. Tantos outros!

 

 

 

10 – NOTAS.

 

- Deve-se evitar correr sozinho. É muito importante correr em grupo. Há sempre alguém a transmitir confiança e isso trás uma motivação extra. Caso tivesse ao km 87 alguém para dar aquele “empurrãozinho” quem sabe...

 

- A minha desistência fez com que eu, o José Carlos Costa e o António Conde, ficássemos em igualdade de circunstâncias, com três ultras de 100 Kms cada um. Se foi castigo divino, pela minha falta de solidariedade para com o meu grande amigo José Carlos, que não se pôde deslocar, aceito de bom grado esta penalização. Há males que vêm por bem.

 

- A pedido da minha irmã Bé, e reproduzindo o que me disse, depois de ler este relato:

 

{xtypo_quote}Nunca devias ter ido a esta prova! Não estavas bem, nem física, nem psicologicamente. E nem tinhas dormido! A prova foi um sucesso, e não um “insucesso”. Porque, quem faz 87 quilómetros nestas condições (ou noutras …), já é um “vencedor”. Uma vez que, por teimosia, resolveste participar, deverias ter desistido mal te sentisses cansado. Prefiro um irmão vivo, a um "herói" morto. Apesar de tudo... Parabéns pelo relato.{/xtypo_quote}

 

LUÍS PIRES